domingo, 17 de março de 2019

Meu novo companheiro de prática!

Nasci em 1992. 
A partir do momento em que passei a ter a capacidade de compreensão, os filmes que tivessem as artes marciais como seu tema principal de alguma maneira chamavam minha atenção. Viajar nas cenas de luta, onde dois ou mais artistas marciais colocavam-se à prova para decidir qual estilo sobreporia o outro, eram muito frequentes. Apesar dessa imaginação, me ver fazendo essas proezas ficavam apenas no campo da imaginação mesmo.
Tudo isso mudou, quando conheci o Sistema Ving Tsun de Kung Fu através da Moy Yat Ving Tsun Martial Intelligence, e as proezas sobre-humanas vistas nos filmes, davam lugar a proezas e práticas absolutamente humanas, possíveis. 
Já servi ao Exército Brasileiro. Da mesma forma que será difícil expressar em palavras as coisas que já vivenciei dentro da caserna aos civis que nunca tiveram contato com as Forças Armadas, o mesmo acontece com as experiências que já pude ter desde que entrei para a Família Moy Jo Lei Ou, do Clã Moy Yat Sang, da Linhagem Moy Yat do Sistema Ving Tsun. Seria ilegítimo com estas mesmas experiências tentar expressar em palavras e ainda querer que as pessoas à minha volta compreendam, é como uma frase que certa vez li: "... e ninguém tente entender! Melhor apenas sentir..."


Recentemente, tive acesso a um dos Domínios que, a meu ver, mais desperta curiosidade  dentro das artes marciais: o Mui Fa Jong, cuja prática se dá no Muk Yang Jong, popularmente conhecido por "boneco de madeira". 
Meu Si Taai Gung, o Grão Mestre Moy Yat (1938-2001), costumava associá-lo a uma máquina de escrever, onde para saber como manusear é necessário que, no mínimo, a pessoa saiba escrever, e com isso, a máquina refinaria sua habilidade de escrita.

Minha missão daqui pra frente será compreendê-lo...

Ao trabalhar comigo as duas primeiras partes do domínio, Si Fu, o Mestre Julio Camacho, referiu-se a maneira como o "Jong" deveria ser tocado como aderir, em vez de simplesmente fazer meus braços entrarem em atrito. Não só no momento da prática em si, mas pensar no "aderir" me deu margem para pensar e repensar muitas coisas. 
Desde que concluí recentemente a faculdade, pude me dedicar de maneira um pouco mais frequente ao Mo Gun e às suas atividades. Tenho tido a oportunidade de observar e registrar de perto, por exemplo, as inovações e contribuições de Si Fu, para o Sistema Ving Tsun, talvez seja esta uma boa oportunidade para compreender melhor como "aderir"...

Manhã de estudos do Programa Fundamental no Mo Gun.







ARTES MARCIAIS, KUNG FU E ESTEREÓTIPOS QUE NOS CONFUNDEM

Após um hiato nas publicações, retorno com esta publicação que permitiu debruçar-me bastante sobre o tema que procuro desenvolver.
Uma das propostas deste blog é, além de compartilhar com as gerações futuras minha visão e vivências no contexto do Ving Tsun Kung Fu, é dialogar com o público que possui quase ou nenhum contato com o Círculo Marcial.
Para isso, pude contar com a ajuda de alguns irmãos kung fu e da convivência com meu Si Fu, o Mestre Julio Camacho, para a construção desse pensamento que, antes de mais nada, é uma forma de oferecer um ponto de vista diferenciado sobre um tema que possui muitas lendas difundidas a seu respeito, e que habitam o imaginário Ocidental sobre o que sejam as Artes Marciais.
Enfatizo que as ideias aqui compartilhadas representam minhas próprias interpretações, baseadas em entrevistas, pesquisas e observações sobre círculo marcial.


BOA LEITURA!


UM BREVE HISTÓRICO...

Voltemos ao século XIX. Período em que países europeus como Inglaterra, França, Alemanha estavam na chamada "corrida imperialista", na busca por mais territórios, mercados e mão-de-obra a fim de alimentar o novo modo de produção surgido a partir da 1ª Revolução Industrial. África e Ásia foram os continentes mais castigados com esse processo.
É comumente difundido que em áreas como Hong Kong (antigo protetorado britânico), a população apenas observou e aceitou o subjugo europeu, tal teoria por sua vez, já caiu por terra. Como exemplo da resistência chinesa ante o imperialismo europeu surgiu a chamada Sociedade dos Punhos da Justiça e Equidade, didaticamente conhecida como "Revolução dos Boxers". Os boxers eram os membros desse levante, sendo chamados assim pelos ocidentais uma vez que utilizavam as artes marciais chinesas na luta contra os estrangeiros na China. Ao levaram pânico aos ocidentais, isso contribuiu para a construção  da visão estereotipada no Ocidente dos chineses como um "povo exótico, violento e ardiloso".
O processo de inserção e transmissão do Kung Fu em território brasileiro está diretamente ligado a dois momentos: o primeiro no início do século XIX, devido ao enfraquecimento e empobrecimento chinês, conduzindo milhões de chineses para países como Estados Unidos, Austrália e África do Sul; e a segunda grande onda quando da Revolução Comunista de 1949, quando cerca de três milhões de pessoas fugiram para Hong Kong e Taiwan. Este período foi bastante significativo para a formação da comunidade chinesa no Brasil e, para a disseminação do Kung Fu no Brasil. Em 1950, com o amplo programa industrial brasileiro e a escassez de mão-de-obra facilitaram ainda mais a vinda de imigrantes com formação técnico industrial. (Rev Bras Educ Fís Esporte. São Paulo, 2014 - p, 4).
Oriundos dessa diáspora, surgirão os primeiros mestres chineses, também conhecidos como "mestres pioneiros", observando a oportunidade e o interesse, acabam sendo os responsáveis pela transmissão do Kung Fu, e por consequência, o contato entre duas culturas distintas e tão diferentes. 
Aos que viveram entre os finais da década de 1950 a 1980 se lembrarão do nome de Bruce Lee (foto) como exemplo de expoente das artes marciais. Decerto, ele prestou um serviço que popularizou o Sistema Ving Tsun e as artes marciais não só no Brasil, mas em todo o Ocidente. Entretanto, paralelamente, essa popularização causou um desserviço com a tamanha exposição, levando os muitos interessados a corromper o "real" significado de Kung Fu (功夫).


À esquerda, Patriarca Ip Man e seu Aluno Lee Jun-fan (Fonte: Internet)


TRAÇANDO CONCEITOS


Partindo do princípio que diferenciá-los não é tarefa fácil, precisamos tentar compreender: o que é KUNG FU e o que são ARTES MARCIAIS, visto que uma errônea interpretação causa, há algumas décadas, uma confusão entre o significado destes termos.
Segundo o Líder da Moy Yat Ving Tsun Martial Intellingence, Grão Mestre Leo Imamura:


"Ao contrário do que muita gente pensa, Kung Fu não é somente o termo genérico para as artes marciais chinesas, ele remonta das tradições confucianas. Portanto, a noção de Kung Fu é uma habilidade que você adquiri em qualquer campo da atividade humana, estando atrelada ao desenvolvimento humano". 

Confira no vídeo abaixo, uma entrevista de Grão Mestre Leo Imamura ao canal do YouTube Inteligência Marcial TV, no qual ele discorre mais sobre o tema:




Ora, então o que viriam a ser as ARTES MARCIAIS?

Para arte marcial podem existir tantas outras interpretações, dentre uma delas, seriam artes voltadas para a guerra, no entanto, com características refinadas, onde ocorre a utilização da inteligência estratégica.
Recentemente, pude ouvir uma interpretação onde a arte da guerra estaria voltada para a resolução de nossos próprios conflitos internos. É necessário dizer que, no sentido aqui apresentado, guerra pode-se entender por qualquer conflito que ocorra no transcorrer das relações humanas, podendo ou não nos desestabilizar emocionalmente. Será levado em conta o quanto seremos capazes de buscar a resolução para estes conflitos, isto é, como o indivíduo será capaz de desenvolver sua própria inteligência estratégica.
Portanto, se eu tivesse que classificar cada um desses termos através de uma maneira mais didática, o KUNG FU seria a manifestação de desenvolvimento das habilidades de um indivíduo, incluindo seu próprio desenvolvimento, enquanto as ARTES MARCIAIS têm no KUNG FU uma ferramenta para alcançar este desenvolvimento.


DISSEMINAÇÃO DE ESTEREÓTIPOS

Como já dito, após a passagem do icônico Bruce Lee, estou certo em presumir que muitos desejaram ter as mesmas habilidades. Seus filmes faziam brilhar os olhos de qualquer um que sonhava ter domínio sobre algum tipo de modalidade de combate. Vemos nesse fenômeno, uma notória influência do "Pequeno Dragão".
A essa altura, é importante eu me desprender da figura de Bruce Lee e apontar para outras produções que "contribuíram" na mitificação e estereotipia do Kung Fu.


  • KUNG FU 
Em outubro de 1972 estreava na televisão pela rede ABC a série "Kung Fu". Estrelada por David Carradine a série contava a história do monge Shaolin Kwai Chang Caine que torna-se uma espécie de andarilho, vagando de lugar a lugar, após vingar o assassinato de seu mestre. É com essa série que a expressão "gafanhoto" torna-se conhecida e associada ao Kung Fu.

Série Kung Fu (1972) (Fonte: Internet)

  • THE LAST DRAGON 
A trama é ambientada em Nova York, nos idos do ano de 1985, acompanhando a história de um jovem estudante de artes marciais chamado Leroy Green, ou "Bruce Leroy", tem sonhos de tornar-se um grande artista marcial, tendo como grande ídolo Bruce Lee (que surpresa!). 
Neste filme, a estereotipia reside em apresentar ao público elementos oriundos da cultura chinesa de forma caricata. Lembrando que na época em que o filme se passa, o mundo do Kung Fu era desconhecido, onde as únicas referências eram os filmes e séries produzidos no ocidente.


The Last Dragon (1985). À direita, como exemplo, observa-se como o filme apresentava ao público
 a ideia de um artista marcial.




Para encerrar, gostaria de frisar que não tenho nenhum problema com filmes ou produções destes gêneros, pelo contrário, até as acho divertidas. Quem nunca se empolgou ao assistir filmes como 'Mr. Nice Guy", com Jackie Chan, "Cão de Briga", com Jet Li, ou até mesmo o famoso "O Grande Mestre", com Donnie Yen, etc?
Na tentativa de conseguirem uma fama relativa e atenção de um público já existente, os auto-proclamados "profissionais" das artes marciais acabam não tendo nenhuma base para dar prosseguimento aos seus trabalhos tendo que fazer emendas com coisas que quase ou nada tem a ver com o trabalho que está sendo proposto. A exemplo disso, é comum encontrar na própria internet instrutores que dizem "ensinar" Ving Tsun (Wing Chun), mas que, como não tiveram acesso pleno (ou sequer tiveram acesso) ao Sistema, incorrem em erros grotescos, aplicando exercícios aeróbicos e anaeróbicos às rotinas de práticas.